O termo Tealogia trata-se de um neologismo, que vem do grego Thea = Deusa e Logia = estudo, razão, princípios. Sendo assim, Tealogia pode ser traduzida como estudo da Deusa, mas também pode ser entendida como ação divina da Deusa no mundo e princípios éticos seguidos por seus devotos.
Trata-se de um conceito cunhado na década de 70, mais especificamente em 1974, em textos do cantor e escritor neo-druida Isaac Bonewits, intitulados The Druid Chronicles – Evolved, onde ele provavelmente usou o termo "thealogian" para se referir ao autor wiccano Aidan Kelly, o qual pode ter sugerido o termo para ele ou vice versa. Apesar de diversos sites alegarem tal informação, não é nada fácil encontrar esses textos de Isaac, tendo em vista que eram revistas impressas da década de 40, que provavelmente nunca foram digitalizadas, existem apenas relatos na internet de sua existência. Entretanto, na primeira edição revisada de seu livro Real Magic (1971, 1979, 1989), de 1979, é possivel encontrar o termo facilmente, pois Isaac Bonewits definiu Tealogia em seu Glossário como "Especulação intelectual sobre a natureza da Deusa e Suas relações com o mundo em geral e os humanos em particular; explicações racionais de doutrinas religiosas, práticas e crenças [femininas], que podem ou não ter conexão com qualquer religião específica, nem como tal seja concebida e praticada pela maioria de seus membros” (BONEWITS, 1989, p. 268).
O que se observa é que Isaac se limitou a colocar o termo com uma explicação bem resumida apenas no Gloissário de seu livro, nas ultimas páinas apenas, ou seja, ele foi o precursor da terminologia, como observador de algo que estava acontecendo ao seu redor, mas parou por aí mesmo. As questões centrais da Tealogia, todavia, foram amplamente desenvolvidas por autoras posteriores, tais como Naomi Goldenberg, Rita Nakashima Brock, Charlotte Caron, Melissa Raphael e Carol P. Christ, entre outras autoras que citaram a respeito do desenvolvimento da Tealogia. O que TODAS elas tinham em comum era sua formação, a saber: a TeOlogia. Elas eram teólogas de formação, começaram a flertar com a teologia feminista, até culminarem no movimento que elas mesmas estavam criando: a TEALOGIA.
O interessante é que Naomi Goldenberg também é formada em Religious Studies (que aqui no Brasil, chamamos Ciências da(s) Religião(ões)). Sua formação acadêmica permitiu que ela fizesse uma leitura crítica e conceitual do movimento da Deusa que estava ocorrendo nos EUA, e em outros países, na época, sistematizando-as em seu livro de 1979 Changing of the Gods - feminism & the end of traditional religions. Nesta obra, ela dedica um breve tópico para explicar a Tealogia através da natureza tríplice da Deusa. Nada muito novo do que já se ouve falar sobre a Deusa desde o início de seu movimento tanto na literatura quanto na Bruxaria Moderna, porém, o terreno da Tealogia já estava "arado" a partir de então, para suas sementes serem plantadas. Sua página: https://naomigoldenberg.com/
A teóloga protestante norte-americana Rita Nakashima Brock, em seu artigo de 1989, On Mirrors, Mists and Murmurs: Toward an Asian American Thealogy, usou o termo Tealogia de forma inovadora, ao afirmar que desenvolveu uma “Tealogia do sofrimento, comunidade e cura”, a partir de várias fontes religiosas e espirituais (Budismo, Cristianismo, Paganismo, etc.), as quais são costuradas e interpretadas pelas vivências e experiências de vida das mulheres, trocadas nesses encontros.
Em 1993, a teóloga canadense Charlotte Caron da Tealogia publicou a obra To Make and Make Again: Feminist Ritual Thealogy. Em sua obra, ela desenvolve uma grande discussão sobre o tema, enuncia os métodos e características da Tealogia, além de sugerir diversas formas rituais, motivadoras de novas atitudes sociais, para as mulheres vivenciarem essa espiritualidade.
Em 1996, a teóloga judia inglesa Melissa Raphael publicou Thealogy and Embodiment: the post-patriarchal reconstruction of female sacrality. Melissa discute sobre a relação da Tealogia com a corporeidade humana, em especial os trabalhos/atributos considerados "femininos" (e tece suas críticas), o tabu da menstruação e as cosmogonias advindas do útero.
A autora também escreveu Introducing Thealogy: Discourse On The Goddess em 1999. Neste livro, Melissa traz a história política da Tealogia, sua relação com o movimento feminista e a Teologia feminista, bem como o distanciamento posterior da Tealogia desses movimentos. Discute também a ética na Tealogia, o Ecofeminismo, o bem e o mal na Tealogia e o lugar do homem na Tealogia.
Carol P. Christ também era teóloga judia e já havia usado o termo em sua obra Laughter of Aphrodite: reflections on a journey to the goddess em 1987. Carol P. Christ lançou vários outros livros sobre o tema, ao longo de sua vida, e tornou-se uma das principais autoras da Tealogia, entre eles estão: Rebirth of the goddess (1997), She Who Changes (2003), A Serpentine Path: Mysteries of the Goddess (2016) e Goddess and God in the World: Conversations in Embodied Theology (2016).
No livro Rebirth of the goddess (1997), traduzido recentemente para o português como o Renascimento da Deusa, em 2024, pela editora Goya (Aleph), Carol discute a Tealogia de forma profunda. Ela traz também os significados da Deusa, as evidências do passado, a resistência acadêmica em avançar nos seus estudos, bem como traz discussões éticas da Tealogia, a Teia da vida, a Mãe-Terra como organismo vivo e consciente (hipótese Gaia), cooperação e preservação ambiental, o lugar da humanidade nessa teia, vida após a morte, e a importância da preservação das imagens politeístas da Deusa para fomentar o respeito a diversidade dos grupos humanos.
Percebe-se que o termo Tealogia começou a ser “forjado” a partir das vivências das mulheres em grupos comunitários de apoio mútuo e, também, de reflexões dentro da própria academia. As autoras, na sua totalidade acadêmicas, começaram a buscar nas fontes arqueológicas, antropológicas, mitológicas e simbólicas algo que melhor representasse aquilo que as mulheres viviam e narravam em suas reuniões femininas guiadas pelo conceito divino de Deusa. A crença na Deusa já existia em outros grupos neopagãos, na Bruxaria Moderna, etc., entretanto foi expandida e delineada na Tealogia. Nota-se, então, que a Tealogia trata-se de um movimento filosófico, nascido da experiência, mas também de mulheres ligadas a instituições de ensino de Teologia e Ciências da Religião. Dessa forma, tem as características de buscar responder/refletir acerca dos mistérios da vida, a ética, nossa relação com o mundo e as formas de nutrir um novo estilo vida.
Baseado no primeiro livro de Tealogia traduzido para o português, o Renascimento da Deusa, de Carol P. Christ (o original foi publicado em 1997), sintetizei os principais princípios da Religião da Deusa desenvolvidos por Carol. Uma das características básicas de sua obra é se basear no Imaginário da Deusa pré-histórica, defendida por alguns arqueólogos e estudiosos, como James Mellaart, Marija Gimbutas, Riane Eisler, etc., a qual foi batizada por Gimbutas como Deusa da Vida, Morte e Renascimento. As sociedades pré-históricas, em especial as neolíticas, tinham uma formatação menos bélica, mais agricultora, comunitárias e centradas nos ciclos soli-lunares. Desse modo, a Tealogia de Carol Christ está mais ligada a esse momento do feminino divino do que necessariamente nas deusas do politeísmo tardio, onde os deuses celestres patriarcais já estavam no topo da hierarquia. Segue, então, os princípios básicos da Tealogia em Renascimento da Deusa:
Culto à Mãe - Terra e à outras faces da Deusa:
Carol P. Christ (1997) afirma que no pensamento da Tealogia, devido ao foco no divino feminino, no culto à Mãe-Terra e na materialidade, trata-se de uma espiritualidade prática, voltada também a vida imanente e material, à nutrição da vida na Terra, preservação ecológica e, também, à ampliação da visão dos papéis femininos na sociedade, haja vista a diversidade de deusas e arquétipos femininos possíveis mesmo na lógica unificadora de Deusa.
Culto à Teia da Vida e a interdependência de todos:
Dessa forma, volta-se a entender toda a TEIA da VIDA como sagrada (a própria Deusa). Todas as plantas, animais e elementos da natureza passam a fazer parte do corpo espiritual tealógico, e todos esses seres estão conectados em interdependência na teia. A experiência mística ocorrerá, então, na vivência da comunidade, na preservação do planeta e em relações saudáveis.
É um sistema Panenteísta e Politeísta:
Carol (1997) define que “a mente da Deusa é uma energia animadora que permeia o corpo do mundo e que permite que tudo [...] converse entre si, e que indivíduos conversem com o todo.” Esse conceito animista da Deusa não impede o culto através do Politeísmo, pois entende-se que os deuses são personalidades individuais, inseridos na Teia da Vida, e vitais para o ecossistema espiritual. A preservação do Politeísmo e de seus diversos rituais culturais diferentes é essencial para nos ensinar sobre respeito a diversidade.
Baseia-se no pensamento corporificado e na experiência pessoal:
Carol P. Christ (1997) define que a Tealogia começa com a experiência pessoal, sua relação com o corpo, com os outros e a vida. Pois existe uma sabedoria profunda na corporeidade: as emoções, os insights, a mística do amor, do erótico e do prazer de viver. Uma espiritualidade que preserve e nutra a vida (planeta) só ocorrerá com a revalorização do corpo-matéria.
Acredita na mutabilidade do divino:
Carol (1997) alega que as religiões patriarcais criaram uma ideia de divino transcendental, retirado da matéria e imutável. Segundo ela, nessa ideia reside grande perigo, pois tudo que é mutável foi considerado uma ameaça, como a Lua, a mulher e as estações. Os deuses na Tealogia são mutáveis, morrem e renascem com os ciclos. Dançam, trazem êxtase, alegria e confiança na matéria.
Propõe a dissolução do dualismo clássico:
A Tealogia propõe uma dissolução do dualismo clássico, criado pela filosofia masculina européia, a qual prega o antagonismo entre corpo e mente, masculino e feminino, luz e sombra, bem e mal, espírito e matéria. A Tealogia acredita que não há antagonismo entre essas categorias, e que uma visão unificada e holística trará cura a todos.
Prega a possibilidade de um sistema social pacífico e libertário:
Segundo Carol (1997), a Tealogia propõe, enfim, um sistema pacífico e libertário, pautado no respeito à Terra, à todos os povos, à todos os deuses, à homens e mulheres, e à todos os seres/consciências (animais, vegetais e minerais). No conhecimento animista da Teia da Vida, cada território deve ser preservado, com suas tradições, numa relação de interdependência, cooperação e amizade.
Texto de Lídia M. da C. Valle
Mestra e Doutoranda em Ciências das Religiões, pela UEPA e UFPB respectivamente.
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